
Armindo de Vasconcelos "O município de Lousada é paradigmático no apoio à modalidade"
Armindo de Vasconcelos é o atual presidente da Federação Portuguesa de Hóquei. Um apaixonado pela modalidade que assumiu a o cargo de presidente em finais de 2016, e que atualmente tem na sua liderança um dos maiores desafios de sempre, derivado á pandemia do CODIV-19.
Numa entrevista extensa em que foram abordados muitos temas da regular atividade da Federação, á situação das competições, ao futuro da modalidade e as prestações das equipas nacionais.

Complexo Desportivo – No comunicado publicado a 10 de março, pela Federação Portuguesa de Hóquei, em que suspendeu as competições e que veio a ser prolongado no comunicado de 18 de março por tempo indeterminado, qual é ponto de situação atual?
Armindo de Vasconcelos – Nada mudou relativamente ao conteúdo dos comunicados emitidos pela federação: aqueles que refere, mas também o de 19 de março, da Federação Internacional de Hóquei, o de 20 de abril, do Dr. Pinto de Sousa, médico da FPH, e o de 24 de Abril, do Secretário de Estado da Juventude e Desporto, que publicita as deliberações do Conselho de Ministros, antecipando o DL 18-A/2020, o qual estabelece as medidas excecionais e temporárias na área do desporto, no âmbito da pandemia da doença COVID-19. Mas, não mudou para nós, nem para o universo desportivo praticado em recintos fechados ou em recintos abertos sem condições sanitárias excecionais. Mesmo quando elas existem, os clubes de topo do futebol, por essa Europa, tomam decisões tão contraditórias, não obstante a ciência que escolta os seus departamentos médicos, que é caso para ficarmos inquietos. Até porque, infelizmente, a maioria das federações desportivas em Portugal não tem meios financeiros para poder aplicar todas as exigências sanitárias a que o regresso obriga. Concordo que a exigência seja máxima para defesa dos agentes desportivos. Logo, não havendo condições para implementar normas sanitárias de amplo espectro, é preferível terminar a competição por esta época.
Relativamente, ao fim das competições qual será o desfecho e decisão que a FPH irá tomar?
Qualquer decisão que a FPH venha a tomar obedecerá sempre a pareceres vinculativos da DGS, do médico da federação, do bom senso e privilegiará perduravelmente a segurança dos atletas e dos staffs dos clubes. Penso que a ausência de público será unânime, uma exigência que, contudo, não nos preocupa, porque já somos uma modalidade com público reduzido.
A FPH, entretanto, tomou assento na reunião que juntou 47 federações sob a égide da Confederação do Desporto, tendo-se debatido algumas medidas que urge implementar para salvar algumas competições, dentro das modalidades possíveis. Também reunimos os clubes inscritos na federação e conseguiu-se uma unanimidade interessante: haja ou não haja regresso da atividade esta época, os clubes estão tão abertos a terminá-la já como a reativá-la, desde que em segurança total. Perspetiva interessante foi a do líder destacado do Nacional de Seniores, a AD Lousada, que defendeu que, em qualquer das hipóteses, os representantes a indicar pela FPH às provas europeias devem ser aqueles que não puderam participar este ano nessas competições: Casa Pia AC e CF União de Lamas – Hóquei. Pessoalmente, não vejo forma de reativarmos a competição, esta época.
Qual a estratégia que está a ser pensada para minimizar os impactos desportivos?
Sem futuro previsível, qualquer estratégia terá de passar sempre por uma atenção constante às evoluções e involuções da crise sanitária e à segurança dos cidadãos em geral e dos nossos praticantes em particular. Para além disso, ir antecipando soluções conforme se abrem ou fecham as comportas que cerceiam o acesso à normalidade. Tudo seria mais fácil se amanhã fosse anunciada uma vacina ou um medicamento comprometido e eficaz. Até lá, num tempo que não se sabe até quando, teremos de viver de uma forma muito diferente daquela em que vivemos até ao primeiro confinamento. E, paulatinamente, teremos de nos adaptar à nova realidade, que ainda desconhecemos. Isto para dizer que só a ciência pode ajudar-nos, mas se nos ajudarmos a nós próprios, não nos infetando e não infetando os outros. O desporto é apenas um ramo desta árvore global e os impactos com que terá de se debater serão à escala, sempre dependentes da recuperação económica. Aliás, o Comité Olímpico de Portugal, em linha com vários Comités Olímpicos Europeus e outras entidades desportivas de referência, assinou um documento com uma posição de princípio que os Comités Olímpicos Europeus (EOC) remeteram à Comissão Europeia e ao Parlamento Europeu, onde analisam o atual momento do setor desportivo e no qual apelam para que o desporto seja elegível para os fundos europeus destinados a esta situação pandémica, nomeadamente o Coronavirus Response Investment Initiative (CRII) e o Coronavirus Response Investment Initiative Plus (CRII+), prevendo algumas prioridades: fundos de proteção ao emprego; programas de inovação; fundos de financiamento públicos e solidários para clubes, associações desportivas de base; novas oportunidades de financiamento e formas inovadoras de promover o desporto, um estilo de vida saudável e a atividade física em confinamento, em teletrabalho ou no emprego; ensino da educação física à distância, através de meios digitais, que são eficazes e seguros.
Qual é o impacto desportivo e financeiro que a suspensão derivada do COVID-19 poderá ter nos clubes?
O impacto desportivo será sempre negativo. Felizmente, deu para terminar a época na variante de indoor, em todos os escalões: sub-11, sub-13, sub-16, sub-18, seniores masculinos e seniores femininos. Não será, por isso, uma época estéril. O que nos preocupa é a variante de campo, de que faltam dois jogos em atraso, que podem não importar ao apuramento dos finalistas, e o play-off final entre os quatro primeiros classificados da fase regular. Ainda hoje, a federação inglesa anunciou os campeões femininos em função da classificação à data da suspensão das provas. Outras federações estão a enveredar por essa solução, não nos parece aconselhável, eu diria mesmo que nos parece desaconselhável, pormo-nos a inventar, sofrendo eventualmente gravosas consequências desportivas e socais. Sobre o impacto financeiro, ele será mais ou menos evidente consoante o compromisso do estado com o fenómeno desportivo.

A FPH irá dar algum apoio aos seus clubes? Quais as medidas e mecanismos?
A FPH está a estudar a hipótese de ajudar os clubes no regresso à normalidade competitiva. Há várias vertentes a ponderar, exemplarmente o não pagamento de inscrições dos clubes e atletas, mas qualquer medida excecional dependerá sempre da folga orçamental que conseguirmos e a forma como a tutela permitir que apliquemos os eventuais excedentes orçamentais.
Considera que na próxima época devido à pandemia poderá haver clubes que não consigam competir?
É uma hipótese que nos aflige. Não a colocamos de parte, porque estamos cientes de que pode acontecer. E a acontecer, seria um rude golpe. Mas, pior ainda, será que na próxima época haverá competição?
Quais os maiores desafios para o futuro do hóquei?
Na minha perspetiva, o grande desafio para o futuro é o de recativar sobretudo os mais jovens. Estão parados desde que as escolas fecharam e quer a formação quer a competição foram suspensas. Até que ponto estarão essas crianças predispostas a partir de novo do zero? E os jovens a regressar à disciplina, às normas? Até que ponto o digital, com quem o desporto já se vinha digladiando, não poderá vencer agora? Essa foi aliás uma das grandes preocupações evidenciadas pelas 47 federações reunidas sob a égide da Confederação. Para além de preocupação, encontro nele o grande desafio para o desporto, logo para o hóquei.
Na sua opinião, quais as medidas que o estado deverá tomar para apoiar as instituições desportivas?
Armindo de Vasconcelos – Dentro da norma, o apoio ao desporto passa pelo IPDJ e pelo Comité Olímpico. Uma primeira medida seria aplicar um mandamento antigo, mas muito pouco em prática: a solidariedade. O dinheiro do jogo online deve ser distribuído por todas as modalidades e não só por duas ou três que, de repente, se tornaram oligarcas, com gestos abundantes de sinais exteriores de riqueza, enquanto outras vivem dias aflitos com orçamentos muito apertados e que não permitem o crescimento. O documento que o COP publicou muito recentemente, de reflexão, que subscrevo por inteiro, a que me referi atrás e que não resisto a resumir, embora corra o risco de me tornar fastidioso, elenca medidas prioritárias face ao impacto da COVID-19, que vão desde a retoma em segurança das atividades desportivas, garantia de manutenção do sistema desportivo e mobilização das entidades governamentais. Há propostas que vão desde a criação de uma unidade de acompanhamento com representantes do universo desportivo até aos municípios e autoridades governamentais da área da saúde e do desporto, por forma a criar soluções transversais, mas também outras que contemplem as especificidades de cada modalidade. São preconizadas medidas de apoio aos clubes, federações e agentes desportivos, de forma a que “as organizações desportivas, nomeadamente aquelas sem fins lucrativos, possam beneficiar de medidas que posicionem sempre o universo do desporto em plano de igualdade com os apoios de caráter extraordinário que vierem a ser definidos para outras áreas sociais, nomeadamente: a) Medidas de emergência para atividades a tempo parcial, que garantam a empregabilidade no tecido associativo e um maior reconhecimento e estímulo do trabalho voluntário; b) Medidas de empréstimos e linhas de crédito bonificado apoiadas pelo Estado; c) Reestruturação de empréstimos bancários; d) Extensão de prazos de pagamentos fiscais e encargos sociais, e eventuais isenções; e) Criação de um eventual fundo de solidariedade ao associativismo”.

Enquanto presidente da FPH quais são os seus principais objetivos para o Hóquei português?
Apesar da pandemia e dos passos atrás que ela nos fez dar em termos económicos e psicológicos, o salto que se deu na prática de boas medidas sanitárias e sociais é um ganho nada despiciendo. Porque ainda nos esperam tempos longos de luta contra o vírus, os objetivos, ao ritmo da recuperação, do aparecimento de novas terapias e do aparecimento de uma vacina eficaz, terão de ser paulatinos, seguros e apaixonados, privilegiando a formação, reativando as escolas e academias que já estavam em funcionamento. A competição para a próxima época, na qual já estamos a pensar, tentará incrementar o lado lúdico nos dois primeiros níveis de formação, com muitos skills, muita alegria, por forma a cativar não só aqueles que estiveram prestes a perder-se, mas também os que ficaram ou os que aparecerem de novo. Mas, como dizia ontem o Primeiro Ministro, em entrevista à RTP, não sabemos quase nada deste vírus e podemos ter de ir variando as intervenções sociais e de confinamento. Tudo o que fizermos nunca será definitivo até ao aparecimento da vacina ou de um medicamento eficaz. Teremos de repisar todos os dias esta incerteza. Infelizmente.
Os últimos resultados das equipas e das seleções nas competições internacionais não foram os melhores. Quais os principais fatores para o hóquei português conseguir equiparar-se no nível competitivo?
Digamos que os penúltimos resultados europeus das seleções nacionais não foram os melhores, assumo. Os últimos, no entanto, já estiveram a um nível muitíssimo aceitável. Estamos num ano em que a competição internacional foi maioritariamente indoor, tendo competido, em janeiro, em seniores masculinos, na Suíça (Lucerna). Estivemos muito bem, não fomos felizes, mas conquistámos a medalha de bronze e tivemos dois atletas, Ex aequo, em primeiro lugar na lista de marcadores: Vasco Ribeiro e David Franco. Em femininos, no regresso depois de vários anos sem competirmos neste escalão a nível internacional, conquistámos também a medalha de bronze em Bratislava. E só não subimos de divisão porque, circunstancialmente, a Espanha, que também havia estado afastada, se lembrou de regressar numa altura em que a Irlanda, uma das potências europeias no feminino, na variante de campo, também o fez. Para nos equipararmos mais aos níveis competitivos europeus teremos de trabalhar muito, mas muito, mais. O modelo possível de competição em Portugal, com os atletas que temos e os meios que possuímos, é o pior para quem quer evoluir. Basta dizer que o país tem menos campos sintéticos do que um clube do meio da tabela da segunda divisão belga. Cada vitória internacional, seja ao nível das seleções nacionais seja ao nível de clube, é sempre um milagre. Não adianta escamotear a realidade.
Lousada é um concelho com tradição no Hóquei. De forma a incentivar a prática às crianças e jovens considera que o Município deveria incorporar a modalidade no seu plano de atividades curriculares?
O município de Lousada é paradigmático no apoio à modalidade. Para além da mais recente aposta, um piso de última geração no estádio de hóquei, já incorporou a modalidade nos currículos escolares. Lousada é exemplar e o seu modelo deveria frutificar em outros municípios. Estávamos a trabalhar nesse sentido, mas os tempos correntes vieram parar alguns projetos. Conseguimos, no entanto, enquanto foi possível e mercê de uma parceria com a respetiva Junta de Freguesia e inestimável apoio do Prof. Nuno Silva, abrir e fazer funcionar a Academia de Hóquei de Ramalde, no Quartel dos Bombeiros Voluntários Portuenses. O estado de confinamento obrigatório e o fecho das escolas parou os treinos, mas espero que não tenha parado a vontade dos miúdos que aderiram. E também ainda fomos a tempo de assinar um protocolo com a Câmara Municipal de Murça para introdução do hóquei nas suas escolas, no próximo ano letivo.
Que mensagem gostaria de deixar a todos os atletas, treinadores, dirigente e aficionados da modalidade?
A mensagem, neste tempo de exceção e completamente atípico, é a de que cumpram escrupulosamente as determinações da DGS, do Governo, da OMS e Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças (ECDC), observando os confinamentos sem questionar e aderindo às aberturas posteriores com bom senso e protegidos em ambientes de concentração de pessoas. O vírus não vai desaparecer tão depressa quanto desejávamos, não adianta corrermos riscos desnecessários que ponham em causa o presente e o futuro. É que os danos colaterais da pandemia nos humanos ainda são desconhecidos na sua plenitude, como se desconhecem também os efeitos secundários de terapêuticas novíssimas e não totalmente testadas, nesta ânsia de vencer o presente sem se conhecer até que ponto essa azáfama, essa pressa, pode condicionar o organismo no futuro.

Entrevistador: Luís Leal (Complexo Desportivo)
Entrevistado: Armindo de Vasconcelos
Fotos: Armindo de Vasconcelos; Federação Portuguesa de Hóquei
Data de publicação: 2020-05-03

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